A primeira idéia associada ao significado de “cuidado” estava alinhada a uma definição de Leonardo Boff, teólogo e pensador da Teologia da Libertação no Brasil.
Em sua apresentação, o médico Sérgio Paschoal citou as palavras que Boff relaciona ao cuidado: “desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção, bom trato”. E destacou a “carícia” como gesto central para o cuidado - “uma de suas expressões máximas; essencial, quando se transforma numa atitude, num modo de ser, que qualifica a pessoa em sua totalidade.”
Como a mão é considerada o órgão fundamental da carícia, o toque na pessoa idosa constitui parte integrante dos princípios que orientam o Programa Acompanhante de Idosos (PAI) apresentado em seminário por Sergio Paschoal, com base no livro “Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra”, que enuncia que “tudo o que existe e vive, precisa ser cuidado para continuar a existir e a viver”. Sérgio Paschoal é médico geriatra do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, coordenador do PAI e da Área Técnica de Saúde do Idoso da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo.
O seminário “Programa Acompanhante de Idosos – relato de uma iniciativa premiada”, realizado no dia 16 de abril, foi uma iniciativa conjunta do Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-BR) e do Centro de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (CEPE), no âmbito do Ciclo de Eventos “Desenvolvimento de uma Cultura do Cuidado” concebido em consonância com a Declaração do Rio: “Além da Prevenção e Tratamento: Desenvolvendo uma Cultura do Cuidado em resposta à Revolução da Longevidade”.
Apresentação de Sérgio Paschoal
Os direitos dos idosos levados a sério
Sérgio Paschoal relatou que o PAI se configura como uma política pública inovadora voltada a situações de dependência nas Atividades da Vida Diária, de isolamento social e de falta de acesso aos serviços sociais e de saúde. Está estruturado “como um serviço de acompanhantes comunitários, treinados para uma prática com abordagem biopsicossocial e supervisionados”. As equipes atendem em domicílio, para o acompanhamento das pessoas idosas com graus variáveis de vulnerabilidade e dependência. Os acompanhantes desenvolvem as atividades de companhia ao idoso e apoio nas áreas de alimentação, higiene pessoal, saídas e lazer, além de ajudar na manutenção da moradia e de utilizar o que está disponível na comunidade como, entre outros: ginástica, fisioterapia e passeios. Cada equipe é composta por 1 Assistente Social (Coordenador), 1 Médico, 1 Enfermeiro, 2 Auxiliares de Enfermagem, 10 Acompanhantes de Idosos, 1 profissional Administrativo e 1 Motorista.
Quanto às localidades atendidas, o PAI iniciou sua atividade em 2004 na região da Sé, com uma equipe de seis acompanhantes e um total de 10 idosos. Hoje se estende por todas as coordenadorias de saúde da Cidade de São Paulo, tendo saltado de 14 unidades em 2008, para 22 em 2012 – quando alcançou 2.183 pessoas idosas. Sérgio Paschoal informou que, em 2011, o custo mensal de cada unidade do PAI era de R$51.849,88. O avanço do PAI pelo território leva em consideração o que Paschoal chama de “vidas diferentes, realidades semelhantes”, quando a decisão pela implantação do serviço na área do Itaim Bibi revelou pessoas idosas em situação de desamparo após perdas financeiras e familiares ou apenas distanciamento das famílias.
A Área Técnica de Saúde do Idoso da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo disponibiliza as informações completas sobre o PAI no Documento Norteador, onde constam os detalhes de seu escopo inovador.
Momento oportuno
A “Declaração do Rio” proposta em outubro de 2013 e pactuada internacionalmente evidencia a longevidade como conquista do século XX, em razão do aumento da expectativa de vida ao nascer em mais de 30 anos. Reconhece ainda que as rápidas transformações sociais influenciam a constituição de redes familiares, tornam a vida urbana mais complexa e dispersa e dificultam a provisão de cuidados sem ajuda adicional. O documento conclui que há “uma crescente crise global de ‘insuficiência familiar’”.
Nesse contexto, a sociedade brasileira se organiza para o cuidado prestado por um cuidador familiar ou caracterizado por um agente externo à família - o acompanhante ou cuidador de idosos - e para a manutenção da pessoa em seu domicílio. A demanda pela contratação de cuidadores movimenta um “setor” que chama a atenção de gestores públicos e da Academia e motivou o convite a representantes desses dois segmentos da sociedade civil para a discussão sobre o PAI.
Com moderação do presidente do ILC-BR, médico e gerontólogo Alexandre Kalache, o debate contou com Cristiane Brasil, vereadora, pesquisadora da área do envelhecimento e ex-secretária da Secretaria Especial do Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida (SESQV), e com Angélica Sanchez, gerontóloga, presidente do departamento de gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia RJ e docente do curso de Especialização em Geriatria e Gerontologia UnATI/UERJ.
Em debate, a partir da esquerda: Alexandre Kalache, Sérgio Paschoal, Cristiane Brasil e Angélica Sanchez.
Quando à frente da Secretaria Especial do Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida (SESQV), a vereadora Cristiane Brasil, diante da preocupação com o tema, criou um grupo de estudos sobre o cuidador de idosos para fundamentação da equipe e desenvolvimento de reflexões subsidiárias de ações da Secretaria. Ao comentar a exposição de Sérgio Paschoal, destacou a emoção despertada por suas realizações e a necessidade de um duplo compromisso de gestores públicos com o tipo de política expressa no PAI: o financiamento e a disposição dos políticos para que se concretize.
Angélica Sanchez exerce liderança na área de formação de cuidadores, conduzindo o debate que chega ao seu auge na proposição de um currículo mínimo para cursos destinados a formar pessoas para atuarem no cuidado de idosos; além de acompanhar os trâmites de projetos de lei voltados à regulamentação da atividade. Seu comentário sobre o PAI enalteceu a visão ampla nele contida sobre o que é cuidar e que o estabelecimento de uma política do cuidado deve ser o passo que antecede e fortalece a regulamentação do trabalho do cuidador.
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