O cuidado da pessoa idosa nem sempre se efetiva como prática baseada em evidências. Para reduzir o intervalo entre a produção de evidências e do cuidado, a Iniciativa Nacional (canadense) para os Cuidados da Pessoa Idosa (Nice – National Initiative on the Care of the Elderly) articula o conhecimento da pesquisa com os saberes da prática e propõe soluções integradoras, em nível nacional e internacional.
Entre as questões abordadas pela organização Nice, está o longo tempo que o conhecimento baseado em evidências leva para chegar a quem interessa, além de pouca conexão direta entre produtores e usuários da informação; defasagem para alcançar novas gerações de estudantes; inúmeros sites no mundo destinados a apenas um tema; falta de espaço que reúna pesquisadores e profissionais para o desenvolvimento conjunto de conhecimento integrado.
O trabalho é baseado em intercâmbio de conhecimentos como processo interativo de múltiplos fluxos entre os interlocutores, equipes multidisciplinares também integradas por pessoas idosas e elaboração de instrumentos destinados à aproximação da pesquisa com a prática. A meta é que os instrumentos criem pontes multilaterais de informação.
A experiência canadense apresentada em São Paulo e Rio de Janeiro
Com o intuito de trazer ao Brasil a expertise da organização Nice, o Centro Internacional de Longevidade Brasil (International Longevity Centre Brazil – ILC-BR) promoveu, com parceiros, dois seminários e duas oficinas com palestras de sua diretora científica, Lynn McDonald.
Os objetivos dos eventos foram (1) analisar a relevância para o Brasil dos instrumentos da organização Nice; (2) discutir o uso dos instrumentos já traduzidos para português; (3) verificar o interesse por pesquisa internacional colaborativa em temas relacionados ao cuidado de pessoas idosas e (4) facilitar a inclusão de interessados na rede ICCE (International Collaboration for the Care of the Elderly), vinculada à organização Nice.
Nos eventos, a expertise canadense foi representada por duas profissionais daquele país: (i) a palestrante Lynn McDonald, diretora científica do NICE, professora na Faculdade de Serviço Social da Universidade de Toronto; que dirige o Instituto de Curso de Vida e Envelhecimento (Institute for Life CourseandAging) e é Co-Diretora do Programa Colaborativo de Envelhecimento, Cuidados Paliativos e de Suporte (Collaborative Program in Aging, Palliative and Supportive Care); e (ii) a debatedora Louise Plouffe, pesquisadora sênior que contribuiu durante 25 anos para o desenvolvimento de políticas e práticas sobre envelhecimento, tanto no Canadá como internacionalmente; co-responsável pelo desenvolvimento do Guia OMS Cidades Amigas do Idoso; colaboradora associada do ILC-BR e integrante do recém-criado ILC-Canadá.
Instrumentos para a prática baseada em evidências
Os instrumentos produzidos sob liderança da organização Nice se caracterizam pelo livre uso, pela elaboração coletiva sem reserva de direito autoral (com poucas exceções) e pela adaptação transcultural. Nos eventos, foram citados os cinco instrumentos já traduzidos para português, sendo um relacionado à terminalidade da vida; três voltados a maus-tratos e um destinado a cuidadores:
1. Quando um ente querido está morrendo
2. Rastreamento de Maus-Tratos do Cuidador (CASE, na sigla em inglês)
3. Índice de Suspeita de Maus-Tratos a Idosos © (EASI, na sigla em inglês)
4. Indicadores de Maus-Tratos (IOA, na sigla em inglês)
5. Respeitar a todos (Respect All, em inglês)
Quando um Ente Querido está Morrendo
“Quando um Ente Querido está Morrendo” é um instrumento orientador, baseado em evidências, concebido pela organização Nice e avaliado como pertinente para uso no Brasil por um grupo de experts, responsáveis pela edição brasileira. O desenvolvimento da edição foi proposto pelo ILC-BR e conduzido por Louise Plouffe, em parceria com experts da Associação Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e Centro de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (Cepe) - vinculado ao Instituto Vital Brazil; além de profissionais liberais da área do envelhecimento.
Disponível para download, a publicação “Quando um Ente Querido está Morrendo” se destina a todas as pessoas, com um foco mais específico naqueles que acompanham um idoso em fim de vida e dicas em linguagem simples e accessível a todos - familiares e amigos de pessoas que estão morrendo, cuidadores, profissionais e gestores públicos, entre outros. Dois terços das pessoas que morrem têm 60 anos e mais e nem sempre recebem o apoio apropriado, pois raros são os indivíduos que sabem o que esperar ou como agir diante da proximidade da morte.
Rastreamento de Maus-Tratos do Cuidador (CASE, na sigla em inglês)
O objetivo do CASE é identificar, intervir e/ou prevenir maus-tratos contra idosos, com todos os clientes que são cuidadores de idosos, suspeitando-se ou não da ocorrência de maus-tratos. Ele é composto por oito itens favorecedores da trocas de informações que permitem a identificação de maus-tratos e/ou negligência e, de outra forma, passariam despercebidos.
A aplicação ao Brasil foi validada por pesquisa de Adaptação Transcultural realizada por um grupo de pesquisadores e publicada nos Cadernos de Saúde Pública.
[Adaptação transcultural para o Brasil do instrumento Caregiver Abuse Screen (CASE) para detecção de violência de cuidadores contra idosos / Cross-cultural adaptation to Brazil of the instrument Caregiver Abuse Screen (CASE) for detection of abuse of the elderly by caregivers. Carlos Montes, Paixão Jr; Michael Eduardo, Reichenheim; Cláudia Leite, Moraes; Evandro Silva Freire, Coutinho; Renato P., Veras. Cad. Saúde Pública; 23(9); 2013-2022; 2007-09.]
EASI, IOA e Respect All
Os demais instrumentos traduzidos para português requerem validação nos moldes da que foi efetuada para “Quando um Ente Querido está Morrendo” ou para adaptação transcultural, são eles: Índice de Suspeita de Maus-Tratos a Idosos © (EASI, na sigla em inglês); Indicadores de Maus-Tratos (IOA, na sigla em inglês) e Respeitar a todos (Respect All, em inglês). Em caso de interesse, contatar Louise Plouffe: louise.plouffe@gmail.com
Eventos no IAMSPE
O Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe) promoveu um seminário e uma oficina com palestras da diretora científica do Nice, Lynn McDonald, moderação de Alexandre Kalache e debate de Louise Plouffe.
O seminário
Intitulado “Desenvolvendo uma Cultura do Cuidado - Como o Canadá cuida da sua população idosa?”, o seminário aconteceu no dia 09 de março de 2015, de 09:30 às 12:00, no Anfiteatro do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE), com a participação de 400 profissionais de saúde, estudantes, médicos, residentes e gestores.
Em suas palavras iniciais, Kalache destacou que o Iamspe de hoje é o Brasil daqui a 30 anos, em vista da proporção de pessoas idosas. E afirmou que “devemos respeitar e tentar diminuir as dificuldades das pessoas idosas, melhorando a qualidade de vida do idoso e do cuidador.” Para Kalache, a implantação de uma cultura do cuidado cria um ambiente favorável à melhoria da qualidade de vida e ao entendimento de que as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs) não têm cura e requerem cuidado.
A palestrante Lynn McDonald enfatizou a necessidade de políticas públicas e cursos destinados aos idosos: “Eles devem ser inseridos em todas as atividades. É necessário promover um envelhecimento ativo e capacitar profissionais para o cuidado dos idosos que precisam de maior atenção.”
Lynn McDonald contextualizou a situação do envelhecimento no Canadá, país com grande extensão de terra e pouca população e que, em termos demográficos, tem mais idosos do que crianças pequenas. E ressaltou que o maior problema do envelhecimento em seu país é a prevalência de deficiências por demências. Em segundo lugar fica a redução da capacidade funcional causada por DCNTs.
Sua apresentação descreveu o funcionamento da organização Nice e do trabalho desenvolvido, além do enfoque orientador da articulação conjunta para a criação de produtos integradores de pesquisa e prática.
Louise Plouffe estabeleceu paralelos entre os dois países e apontou como duas excelentes medidas para o processo de envelhecimento brasileiro: o Benefício da Prestação Continuada (BPC), uma pensão não contributiva para quem tem mais de 70 anos, e a Cobertura Universal de Saúde, princípio estruturante do Sistema Único de Saúde (SUS).
A oficina
No mesmo dia 09 de março, de 14:00 às 16:00, profissionais do Iampe se reuniram com as convidadas canadenses e a equipe do ILC-BR para uma discussão sobre o conteúdo do seminário e a avaliação de aplicações práticas dos instrumentos da organização Nice que possam ser adotados pelo Iamspe.
Em diálogo com o grupo da oficina, Lynn McDonald explicou que a organização Nice identifica situações complexas e elabora instrumentos orientadores da prática, a partir do trabalho de grupos temáticos formados pela expertise científica e pela experiência da prática. Também informou que há instrumentos impressos em formato “de bolso” e instrumentos online.
Os participantes da oficina também analisaram o interesse por pesquisa internacional colaborativa pela participação na rede ICCE (International Collaboration for the Care of the Elderly/Nice). Os interessados manterão contato com a Dra. Louise Plouffe.
Oficina coordenada pela Escola de Saúde Pública
Por iniciativa da médica Marília Cristina Prado Louvison, professora doutora no Departamento de Prática em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), foi realizada no dia 10 de março, a oficina com a Rede Paulista de Pesquisa em Envelhecimento Ativo. A oficina foi acolhida pela Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo (SES-SP) e organizada pela área de Saúde do Idoso dessa Secretaria.
O objetivo da Oficina era propor que a Rede Paulista de Pesquisa em Envelhecimento Ativo incorporasse pesquisadores de geriatria e gerontologia, alunos, parceiros e grupos. Sempre em alinhamento com projetos do ILC-BR e do Canadá, em vista de sua expressiva liderança no tocante às políticas públicas que adotam as perspectivas da OMS para um envelhecimento ativo.
A Rede Paulista de Pesquisa em Envelhecimento Ativo recebeu com entusiasmo a oportunidade de encontrar Lynn McDonald e Louise Plouffe para ampliar as pesquisas que a Rede vem desenvolvendo em São Paulo em parceria com o ILC-BR, em particular para dar continuidade à articulação com a Louise no Canadá. Constituída no ano passado, a Rede Paulista de Pesquisa em Envelhecimento Ativo tem liderado o processo de investigação, em particular com um novo projeto aprovado pelo CNPq (Política de envelhecimento ativo e estratégias amigas do idoso: um caminho necessário e possível para a gestão de sistemas e serviços de saúde?). A pesquisa é coordenada por Marília Louvison na Faculdade de Saúde Publica, indo até 2017, período em que poderá eventualmente incorporar a análise de algum instrumento proposto por Lynn McDonald, a partir de interesse dos pesquisadores.
Entre os presentes estavam representantes da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia – seção São Paulo (SBGG-SP), do Centro de Referência do Idoso (CRI-Norte), SES-SP, Instituto de Saúde, Hospital Universitário da USP e de governos municipais.
Ao responder à pergunta de uma participante sobre a existência de um determinado instrumento na Rede Nice, Lynn enfatizou que uma iniciativa brasileira de desenvolver um instrumento com suporte da Nice vai gerar um produto que será útil para países de língua portuguesa, em conformidade com a política de compartilhamento da organização canadense.
Todos os participantes saudaram a ampliação da abrangência da Rede Paulista para o nível nacional, passando a chamar-se Rede de Estudos e Práticas de Envelhecimento – REPEA.
Seminário no Rio de Janeiro
O Centro Internacional de Longevidade Brasil (International Longevity Centre Brazil – ILC-BR) e o Centro de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (Cepe), vinculado ao Instituto Vital Brazil, realizaram seminário no dia 12 de março, com foco nas experiências da organização Nice. O seminário apresentou a experiência canadense na construção de instrumentos destinados à prática baseada em evidências. Lynn McDonald descreveu o modelo Nice, seus objetivos, a forma como mede resultados e alguns instrumentos de maior impacto.
O debate contou com a canadense Louise Plouffe e com o geriatra Daniel Azevedo, vice-presidente da Regional Sudeste da Academia Nacional de Cuidados Paliativos epresidente (2012-2014) da Comissão Permanente de Cuidados Paliativos da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). A mediação foi de Alexandre Kalache, co-presidente da Aliança Global de Centros Internacionais de Longevidade (International Longevity Centres Global Alliance – ILC-GA) e presidente do ILC-BR.
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