sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O envelhecimento sob o ponto de vista de um filme francês

Todas as esferas da vida são permeadas pelo envelhecimento humano, desde a produção científica e acadêmica sobre saúde até a arte e o cotidiano. O fenômeno é múltiplo, assim como é diversa a cadeia de interesses que desperta. Aonde os conhecimentos teóricos sobre a velhice se imbricam com a arte cinematográfica e o cotidiano?

O filme francês "E se vivêssemos todos juntos?" (no original “Et si on Vivait Tous Ensemble?”) trata as questões dessa fase da vida de forma sensível e, ao mesmo tempo, as aborda com leveza e com a densidade necessária à reflexão. Em sua opção estética, a obra franco-alemã de 2011 mistura momentos cômicos à seriedade de situações complexas.

Cinco personagens acima dos 70 anos, e mais de 40 de amizade, lidam com o fato de terem envelhecido. O personagem solteiro, Claude, reluta em seguir a orientação médica indicada para seu problema cardíaco diagnosticado como grave.  O casal Annie (vivida por Geraldine Chaplin) e Jean lamenta que os netos nunca os visitam. E o casal Jeanne (Jane Fonda) e Albert enfrenta, a seu modo, a chegada de doenças.

A construção da história consegue evitar o apelo fácil à emoção quando transporta o expectador a um universo do qual não escapará, por experiência própria, caso seja longevo, ou pelo convívio com idosos. Como toda produção cultural, a narrativa coloca a vida social em cena, em uma experiência diversa do cotidiano, com distanciamento e espaço para o senso crítico. Nesse trajeto, revigora o pensamento, estimula o debate e suscita novos estudos.

O tema central do filme problematiza o que fazer quando não  for mais possível viver só. Nas entrelinhas, desenha-se a fragilidade estudada pela saúde pública, definida como a redução da capacidade funcional que dificulta a realização das atividades  básicas de vida diária  (ABVD). Tal situação torna o idoso dependente de cuidado organizado de acordo com o grau de incapacidade. As fragilidades surgem e se acumulam: instabilidade postural (com quedas de repetição); declínio cognitivo; diminuição da mobilidade; perda de memória; quantidade de medicamentos de difícil gerenciamento, entre outras. A proximidade da morte recomenda preparar aqueles que cercam o idoso para sua ausência.

Os fatores sociais e econômicos; as dimensões pessoal, familiar e comunitária; os interesses político, cultural e econômico; os contextos urbano e rural; todos influenciam, determinam e transformam as condições do envelhecimento.

A pesquisa prevê que a população chegará ao final desta década com 4 milhões de pessoas idosas com dificuldades graves que demandarão um cuidador permanente. Dos atuais 3 milhões de idosos, há 100 mil sob cuidados de instituições. Fica colocado o debate sobre quem se encarrega do cuidado em uma sociedade em que as mudanças nas famílias não mais comportam que seus membros se dediquem a seus idosos. Nesse quadro, a família e as instituições terão que aumentar em 50% sua capacidade para o cuidado da pessoa idosa.

No filme "E se vivêssemos todos juntos?" a questão aparece quando se define que Claude não pode mais morar sozinho e se desencadeia a ação que dá título à obra: viverem juntos pode ser a saída. Claude e o casal Jeanne e Albert passam a viver na casa de Annie e Jean, como se ali fosse uma “república” para maiores de 70 anos. O desafio é o enfrentamento das limitações físicas e psíquicas que se avizinham.

Favorável à permanência de Claude em uma instituição, seu filho sintetiza a discriminação às vulnerabilidades e à dependência que a idade traz - e não exatamente uma discriminação em relação à idade. O personagem representa o descaso dos jovens pelos parentes idosos. Se a história fosse ambientada no Brasil, a pobreza seria um elemento adicional de discriminação.

Consideradas as diferenças entre países desenvolvidos – o filme é francês –, que já discutem a longevidade muito antes dos países em desenvolvimento, no Brasil outro componente da discussão sobre o envelhecimento é a dificuldade de acesso aos serviços públicos pelas pessoas idosas. No tocante às instituições de longa permanência para idosos, chamadas ILPIs, os obstáculos são da ordem do preconceito e da sensação de abandono e sujeição a maus tratos.

Enquanto aumenta a quantidade de idosos no país e os sistemas públicos de saúde e de serviço social se estruturam para fazer frente ao desafio, a legislação brasileira estabelece que o idoso deve ser cuidado preferencialmente por suas famílias, conforme expresso na Política Nacional do Idoso. Quem assiste ao filme, percebe que isso não ocorre na França e se pergunta se é a realidade do Brasil.

A cena final do filme "E se vivêssemos todos juntos?" é um pungente e emocionante exemplo de afeto e solidariedade entre amigos e entre gerações, no fluxo contínuo da vida. Afinal, de uma forma ou de outra, vivemos juntos.

Serviço:
E se vivêssemos todos juntos? (Et si on Vivait Tous Ensemble?)
França e Alemanha, 2011. 96 min.
Direção: Stephane Robelin.
Elenco: Geraldine Chaplin, Guy Bedos, Claude Rich, Pierre Richard e Jane Fonda.

Fontes:

Simpósio “DISCRIMINAÇÃO POR IDADE”, 09 de março de 2012. Anais. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, Instituto Vital Brazil, 2012.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Atenção à saúde da pessoa idosa e envelhecimento. Área Técnica de Saúde do Idoso. Brasília, 2010. Série Pactos pela Saúde 2006, v. 12.

Brasil. Lei n.o 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a política nacional do idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União, 05 de janeiro de 1994.

Imagem do site http://altosagitos.com.br
(http://altosagitos.com.br/diversaoaoextremo/index.php?id=noticias&sid=14875&noticia=Sa%FAde%3A+Brasileiros+querem+pratos+mais+saud%E1veis%2C+aponta+estudo+da+Unilever+Foods+Solutions+)

4 comentários:

  1. Segunda um próverbio africano, "precisa-se de uma vila para criar uma criança". Agora, podemos dizer também "precisa-se de uma vila para apoiar um idoso". A responsabilidade de cuidar os uns para os outros compartilha entre os próximos, a comunidade e a sociedade inteira, nos todos setores. Por isso, tem que criar as municipalidades e os estados "amigos do idosos", sem esquecer as outras idades. O movimento e as técnicas em educação comunitaria brasileira põem em prática para novos desafios!

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  2. Silvia,
    assisti ao filme ontem. Gostei, principalmente, pelo tom irreverente e o olhar contemporâneo sobre o velho.

    O protagonismo para transpor os limites da idade social e definir o rumo da própria vida buscando soluções criativas e coletivas para enfrentar as dificuldades naturais do envelhecimento, também é algo que me encanta e, inclusive, inspira a minha pesquisa de mestrado.

    Senti falta de uma pegada mais "pra fora" do grupo, da relação com a vizinhança, por exemplo. Mas, de uma forma geral, o filme consegue oferecer uma visão panorâmica de diferentes aspectos do envelhecimento e suas conexões.

    Uma pena o filme não estar sendo exibido nas grandes salas, pois vampiros e assassinos as estão ocupando agora. Talvez a TV possa cumprir melhor o papel de disseminá-lo a um número maior de brasileiros que, provavelmente, não pagariam um ingresso de cinema para ver uma história sobre velhos, mas que precisam conhecê-las urgentemente.

    E que venham novas produções!
    Grande abraço,

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  3. Silvia,

    muito obrigada para esse blog. Adorei! Parece que finalmente a indústria cinematográfica está acordando e percebendo que o perfil do consumidor de filmes, mas também o de atores, está mudando ao mesmo tempo que o mundo está envelhecendo.

    Na semana passada li um blog na página da Age UK, uma ONG britânica que trabalha com e para pessoas idosas, que era entitulado "Is Hollywood finally growing up?": http://www.ageuk.org.uk/travel-lifestyle/hobbies/cinema-begins-to-focus-on-older-generation/. Ele fala de vários filmes recentemente produzidos que se tratam do envelhecimento e os desafios que vem com o envelhecimento: The Best Exotic Marigold Hotel, Hope Springs, Quartet, Amour e Song for Marion.

    E também tenho visto uma variedade de novos programas sobre o envelhecimento de estações de TV da Grã-Bretanha e da Alemanhã. Além de ter um foco muito grande nos desafios da idade, a mensagem que essas produções transmittem é cada vez mais balançada, também falando das coisas positivas.

    Isso é o desafio de nós trabalhando nessa área: fazer entender que, sim, o envelhecimento é um grande desafio que deve ser atendido, mas ao mesmo tempo pessoas devem entender que não é um desastre em si. Ao final, o envelhecimento é um successo da humanidade e com as ferramentas corretas, p.e. cidades amigas do idosos", ainda temos muitas coisas boas pela nossa frente.

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  4. Recebido de Bárbara Pellegrini:

    Vários pensamentos me ocorreram durante a leitura... A personagem da Jane Fonda fala no início do filme que a gente se prepara pra um monte de coisas mas não se prepara para a velhice. Acho que a gente não tá se preparando para nada difícil, digamos. Também não pensamos no impacto sobre nossas vidas (individual e coletivamente) dos fenômenos da natureza ou daqueles provocados pelo homem. O sentimento de imortalidade, típico da e mais evidente na juventude, nos acompanha até levarmos algum baque. Só então começamos a nos dar conta da nossa fragilidade... Sobre a questão da busca por alternativas, gosto dessa ideia de reunir pessoas para viver juntas. Amigos ou novos amigos – a gente faz amigo a vida toda! Não acho que a legislação possa estabelecer uma responsabilidade para a família sobre o idoso. Família é um conceito socialmente construído que pesa demais sobre as pessoas. Família no sentido atual deriva de uma circunstância biológica. Mas as relações de afeto e de intimidade não estão necessariamente relacionadas a essa vinculação ‘acidental’, contingencial... Há que se relativizar esse conceito e encontrar novas formas de família - que tenham a ver com o que nos é ‘familiar’. Em que nos reconhecemos. Com o que nos relacionamos por opção, escolhas livres, voluntárias. De outro aspecto, a infraestrutura é para ser ajustada pela coletividade em questão, tendo o Estado uma responsabilidade solidária, maior do que a da família biológica. Visto que pagamos impostos para isso...
    Mas há muito o que pensar e meus pensamentos são leigos...
    Fico pensando se não poderia haver uma tentativa de buscar aproximar pessoas que tenham interesses e hábitos semelhantes à maneira como se faz nesses sites de relacionamento... Em vez de procurar um par, talvez pudéssemos procurar housemates...

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