segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Envelhecimento e equidade intergeracional

Em vários países, cada vez mais pessoas idosas vivem por mais tempo e alteram estruturas sociais que podem afetar a equidade intergeracional, afirmou Alexandre Kalache na Conferência de Lançamento do Centro de Bioética da Universidade Chinesa de Hong Kong (Chinese University of Hong Kong – CUHK), realizada nos dias 9 e 10 de janeiro, em Hong Kong.
 
O Centro de Bioética foi criado para favorecer a compreensão da Bioética para as próximas gerações de profissionais de saúde e de cientistas biomédicos. O objetivo é atuar com as faculdades de medicina, de saúde pública, farmácia e enfermagem, para criar ferramentas pedagógicas de Bioética de alto nível. Sua missão e as diversas metas, entre outros fatores, visam alcançar os vários setores afetados por mudanças nas práticas de saúde do século XXI.
 
Alexandre Kalache, co-presidente da Aliança Global de Centros Internacionais de Longevidade (International Longevity Centre Global Alliance – ILC-GA) e presidente do ILC-BR, fez a conferência principal (Keynote Presentation) no evento sobre “Construindo habilidades de Bioética em Hong Kong: dimensões éticas para políticas de envelhecimento e genética”. Sua exposição fez parte do módulo “Desafios do envelhecimento populacional para os sistemas de saúde de cidades globais” e teve como debatedores proeminentes pesquisadores de universidades chinesas.
 
Depois de sua fala, Kalache recebeu cumprimentos entusiasmados por sua palestra, abordagem inovativa e pela inspiração que provocou.
 
Resumo da apresentação intitulada “O aumento da população idosa é uma preocupação para a equidade intergeracional?”
 
A rapidez e o contexto do envelhecimento populacional nos países emergentes diferem muito da cultura ocidental (podendo-se ou não incluir o Japão): os países desenvolvidos primeiro enriqueceram e depois envelheceram. Os países emergentes estão envelhecendo rapidamente em uma situação de desafios socioeconômicos anteriormente enfrentados por Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos. Para o acelerado envelhecimento de sua população, os países emergentes ainda precisam se dedicar a educar os jovens, proporcionar empregos para milhões, prover teto, alimentação e proteção etc. - e de súbito envelhecem.
 
Mais do que qualquer outro país, os BRICS se confrontam com a Revolução da Longevidade como resultado da crescente expectativa de vida ao nascer e do declínio nas taxas de fertilidade.
Enquanto na China, a redução da taxa de fertilidade resultou de políticas governamentais (uma criança por família), no Brasil houve igual redução sem qualquer intervenção de políticas. Hoje, a taxa de fertilidade no Brasil é de 1,7 – quando há trinta anos atrás estava perto de 6,0. Essa mudança advém da rápida modernização e da disponibilidade de métodos contraceptivos acessíveis à maioria da população.
 
Tendo dito isso, o número médio de filhos por mulher é drasticamente diferente ao se comparar o nível de escolaridade da mãe: 3,4 para aquelas com menos de 8 anos de educação formal e 1,4 para aquelas com nível de escolaridade mais elevado.
 
Isso mostra que a sustentabilidade da economia e as oportunidades de desenvolvimento no Brasil dependem de uma significativa educação pública para as crianças mais pobres, uma vez que elas poderão ser tanto os motores quanto os obstáculos para o desenvolvimento. No contexto do envelhecimento, as crianças de hoje serão os futuros cuidadores de pessoas idosas - e não haverá bom desempenho se não tiverem educação formal adequada.
 
A experiência da Rússia mostra como a área de Saúde é frágil – poucos anos após o fim do sistema comunista, a expectativa de vida teve um acentuado declínio, de 70 para 58 anos, e só voltou a aumentar lentamente após alguns anos. O declínio foi particularmente acentuado para os homens, como resultado de excesso de bebida, fumo e violência. As dimensões de gênero são poderosas: os homens são mais expostos aos determinantes sociais de saúde e as mulheres são mais preparadas para o cuidado – ao qual se dedicam por toda a vida, ao cuidarem de suas famílias e se engajarem na vida comunitária.
 
Um bom exemplo da dupla carga de doenças é o caso da Índia. Ainda que a expectativa de vida tenha aumentado, a desigualdade social é enorme e cria uma lacuna de mais de 20 anos se comparadas a classe média e o segmento de extrema pobreza da Índia. É como se tivéssemos na Índia uma grande Bélgica (200 milhões de Indianos de classe média) e um imenso Congo (mais de um milhão de Indianos desfavorecidos).
 
Na China, a falta de políticas públicas específicas para pessoas idosas cria tensões (por exemplo, ao contrário do Brasil e da África do Sul, onde pensões não contributivas são pagas a milhões de pessoas idosas pobres por mais de duas décadas, na China essa política não existe). O ethos da compaixão filial não sobreviveria caso se tivesse na mesma família um jovem com quatro avós e inúmeros bisavós para cuidar.
 
Os governos dos países componentes dos BRICS atribuem à família a responsabilidade pelas pessoas idosas. Isso é o mesmo que dizer: as mulheres, ainda que tenham sido, corretamente, recrutadas pelo mercado de trabalho, não desistirão de seus trabalhos mesmo após o aumento crescente do número de pessoas idosas na família. A economia desses países precisa da criação de riquezas proporcionada pelas mulheres (no Brasil, 43% da economia é gerada por mulheres). Quais políticas se fazem necessárias?
 
Somente o estabelecimento de sólidas políticas de “‘Envelhecimento Ativo”, os países emergentes farão frente aos desafios da Revolução da Longevidade. O que significa que o investimento em saúde ao longo do curso de vida e as oportunidades para a educação continuada, propiciarão que as políticas públicas sejam baseadas em direitos (mais do que em “necessidades”) e irão assegurar equidade intergeracional (com foco particular em gênero).

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